10 de abril de 2011

A história de Włodek

Em uma viagem para o extremo leste da Polônia, Simon Schama (1945-) encontrou muito mais do que a floresta "selvagem" de Białowieża, um dos últimos recantos intocados na Europa e hoje pertencente a lista de patrimônios mundiais da UNESCO. Lá ele descobriu um lugar fantástico, pouco conhecido de nós, um local de muitas histórias que falam da segunda guerra mundial, do Czares russos, dos míticos bisões lituanos... São diversas falas que se misturam para formar a histórica Białowieża e uma delas eu deixarei aqui, veremos agora um trecho do que Schama escreve e que para mim faz muito sentido no presente, no passado e também para o que está por vir.
Um mítico bisão lituano se escondendo do olhar do fotógrafo.

"No dia anterior, nosso guia Włodek, cujos extraordinários olhos azuis sorriam num rosto cor de casca de árvore, nos contou suas lembranças da paisagem: dos bosques a leste de Minsk, onde crescera; da região junto a fronteira com a Hungria, onde fora preso por soldados soviéticos ao fugir do desastre de 1939; do gulag ártico onde vira não só amigos seus morrerem de fome e de frio, como um prisioneiro, com 39º de febre, ser obrigado a ficar sentado durante seis horas com os pés num balde de água gelada porque "se fingira de doente"; da paisagem árida do norte do Irã, que atravessara a caminho do Iraque com os demais poloneses libertados, após o ataque de Hitler a Stalin; da paisagem tropical da costa africana, onde tivera malária enquanto se dirigia aos navios militares ancorados em Durban; dos campos ondulados de Essex, onde treinava como piloto da exilada Força Aérea Polonesa; das cidades alemãs bombardeadas, onde jogara barras de chocolate para as crianças; das mulheres desesperadas que ele e seus companheiros chamavam de "holandesas" quando queriam uma noite de confraternização ilegal.
E o tempo todo ele se apegara às lembranças da floresta lituana, como se fossem os cordões do pára-quedas de sua identidade. Lembrou-se do cheiro do bisão e da doce fragrância da amêndoas de vodca aromatizada com "erva de bisão". "O Estado não me interessa", disse-me quando quis saber sua opinião sobre a Grande Mudança do comunismo para a democracia. "Este é o meu Estado" - e sorriu, acenando para as árvores - "a natureza. Você entende: o estado da natureza".

Fico me perguntando como deveria ser o rosto de Włodek? Ou como será que ainda é?
A história não é feita de grandes homens e grandes Estados, ela é feita assim, de múltiplas histórias que se encontram e formam aquilo que ocorreu e não necessariamente a gente conhece ou conhecerá. O mundo contemporâneo é marcado por lutas de territórios nacionais, mas o que importa é isso? Apenas isso? O que são as fronteiras além de meras linhas imaginárias? Há muitas dúvidas e questionamentos, mas poucas certezas.
Só podemos dizer que Białowieża esconde muitas histórias em seu interior.

Para ler o resto dessa história clique aqui

3 comentários:

  1. Mesma sensação, lendo esse post, de ler as narrativas dos vampiros da Anne Rice. O Marius descrevendo o Império Romano a partir da sua visão, individual, que nos impede de conhecer, de fato, os acontecimentos.

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  2. "Este é o meu Estado" - e sorriu, acenando para as árvores - "a natureza. Você entende: o estado da natureza".

    Yep, bom se todo mundo reconhesse que este é o verdadeiro estado de todos nós.

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  3. A pior coisa de se estudar história é que você terá a certeza que nunca saberá tudo, terá apenas versões do passado e que mesmos e vivenciar tudo isso será apenas uma visão jogada em um mundo repleto delas.

    E quem dera se todos percebessem o que realmente importa e não mais provocassem disputas por territórios.

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